Por Daniel Lima e Pedro Eroles
Valor Econômico•23/02/2024
Em 2011, em resposta à crise financeira global de 2008 desencadeada pelos subprimes nos Estados Unidos, o Financial Stability Board (FSB) publicou o documento “Key Attributes of Effective Resolution Regimes for Financial lnstitutions” (Atributos Chave de Regimes de Resolução Efetivos para Instituições Financeiras), traçando diretrizes para que as autoridades competentes possam viabilizar processos de resolução de instituições financeiras.
O grande objetivo dessas diretrizes é manter a continuidade de serviços críticos prestados por instituições financeiras, evitando a materialização de riscos sistêmicos, uma vez que crises sistêmicas causam a desarticulação da economia real e implicam grande perda de bem-estar para a sociedade, especialmente para os mais pobres. Nunca é demais destacar, e isso está explícito nos Key Attributes (KA), que, para se atingir esse objetivo com efetividade, a utilização de recursos públicos para o resgate de tais instituições deve ser uma medida de última instância.
Não obstante o estabelecimento de tais diretrizes pelo FSB há mais de uma década, a resolução de instituições financeiras no Brasil tem seu arcabouço legislativo remontando à década de 70, com a promulgação da Lei no 6.024, de 1974. E foi com esse conjunto de leis, por vezes suplementado por algumas legislações emergenciais, que atravessamos tanto um programa amplo, como o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer) em meados da década de 90, bem como dezenas de casos de crises em instituições de menor porte ocorridos nos últimos anos.
Diante dos aprendizados gerados pela administração da crise global de 2008, e mais recentemente pela gestão das crises bancárias do primeiro semestre de 2023 nos Estados Unidos e na Suíça, fica a constatação de que o arcabouço legislativo brasileiro para a resolução de instituições financeiras já deveria ter sido atualizado. E isso sem considerar que o Banco Central do Brasil vem trabalhando em propostas para a sua modernização desde 2006.
Atualmente, a principal iniciativa para promover a aderência das práticas brasileiras de resolução bancária (além de outras entidades, tais como Bolsas de Valores e Seguradoras) aos padrões internacionais é o Projeto de Lei Complementar 281/2019 (PL 281), um projeto maduro e de grande amplitude.
O PL 281 propõe dois regimes de resolução: o Regime de Estabilização (no qual é visada a recuperação propriamente dita da instituição) e o Regime de Liquidação Compulsória (que possibilita a saída organizada da IF do Sistema Financeiro Nacional).
No Regime de Estabilização, busca-se uma solução privada para a retomada dos negócios da instituição em crise, o que se inicia, geralmente, com o afastamento dos administradores que tenham levado a instituição financeira a tal situação. Para que surta efeitos pedagógicos desejados, os causadores do problema deverão ser responsabilizados e punidos. Nesse sentido, a responsabilidade que a legislação atual impõe a controladores e administradores de instituições financeiras também carece de aprimoramentos para que seu potencial como mitigador de riscos possa ser alcançado. Esse é um assunto relacionado ao tema de resolução que merece por si só um outro artigo.
Seguindo os preceitos do FSB, o PL 281 enfrenta o sensível tema do uso de recursos públicos para a prevenção de crises sistêmicas desencadeadas por falhas bancárias. De acordo com a disciplina proposta, tudo começa com os controladores e demais acionistas da instituição financeira absorvendo seus prejuízos. Em seguida, devem ser utilizados os recursos dos credores subordinados, aqueles que assumem risco de falência da instituição. Depois disso, é a vez de se utilizar as reservas constituídas pelo sistema financeiro em fundos garantidores e de resolução. E então, somente em casos de grande ameaça à estabilidade ou ao regular funcionamento do Sistema Financeiro Nacional, constatado que os recursos privados não serão suficientes para assegurar a estabilidade financeira, a União poderá realizar empréstimos aos fundos de resolução. Por fim, uma vez superadas as dificuldades, a União será a primeira a ser reembolsada quando houver a recuperação da instituição, cabendo ao fundo de resolução a obrigação de coletar recursos junto ao sistema financeiro e prover o devido reembolso ao Estado caso a instituição financeira termine por ser liquidada.
lnobstante os méritos do PL 281, ele reflete o contexto histórico da crise de 2008, focado nas chamadas instituições sistemicamente relevantes. Diante disso, pergunta se: esse projeto seria suficiente para lidar com ameaças decorrentes de fragilidades de bancos que, em um primeiro momento, não sejam classificados como sistemicamente importantes, como nos casos do Silicon Valley Bank e do Signature Bank em 2023 nos Estados Unidos? Carecemos de novos remédios e/ou prescrições de dosagens que não estão incorporadas no texto atual? Junte-se a isso as relevantes mudanças que o Sistema Financeiro Nacional tem vivenciado nesses mais de 1O anos, com novas instituições financeiras, dos mais diversos portes e perfis de risco, surgindo e alterando a sua feição. As discussões internacionais sugerem que teremos novas diretrizes de atuação para considerar antes mesmo que possamos concluir a atual etapa de modernização do conjunto de leis de resolução que iniciamos. Mas como toda caminhada se inicia com o primeiro passo, a tramitação do PL 281 precisa acontecer.
Com o texto aprovado, poderemos passar às novas discussões internacionais sobre o tema.
Nossa intenção aqui é reacender esse importante debate. Afinal, é melhor nos prepararmos do que, no futuro, termos que improvisar. Também não perder de vista que a implementação desse novo arcabouço requer a existência de uma autoridade de resolução forte e amparada. Para tanto, é fundamental a valorização do corpo técnico do Banco Central do Brasil e um melhor entendimento da nossa sociedade sobre a natureza do processo de resolução bancária.